Eis-me, de novo, em São Bento da Barra Feliz. A ponte é a mesma, sobre o rio Santa Bárbara, mas a noite é clara, mercê da lua, de nudez inteira oferecida. Na outra viagem, as nuvens contidas pela serra desciam o vale, brumavam as casas.
As névoas, acomodadas, pareciam dormir nas ruas, ao lado de cabras, burros e cães.
Entre eles, caminhei, seguro de vencer aquela leguazinha do destino, um pouco tirana comigo. Em Nova Era , perdera o amigo e a mala: os dois decidiram outra rota, deixando-me nas mãos apenas os dedos. Sempre acreditei que os bons caminhos são os caminhos encostados aos rios: as trilhas em campo seco podem interromper-se ou embaralhar-se. As águas prometem sempre o destino final da liberdade, a montanha ou o mar.
Subi, assim, o Piracicaba, com a solidariedade dos humildes, a única que assiste ao viajante, e cheguei a São Bento da Barra Feliz, noite ao meio.
Ouvi, não muito longe das águas, rumor de cordas. Era um bandolim solitário e discreto. Pensei, de pronto, que anunciasse baile – e me aproximei. Encostado ao muro velho, quase dele participando, como alto-relevo (era a ilusão das brumas) o homem tocava seu instrumento. Cochichou-me uma saudação, supondo-me seu compatriota. Aproximei-me:
- Por que não toca mais alto? Assim a moça não acorda.
- Não quero acordá-la. Toco para que seu sono seja suave.
O muro era alto, as névoas cobriam além, não vi luzes, não ouvi o sopro de cortinas que se abrissem.
- Sim, ela dorme.
O homem parou de tocar, dando noticias de seu espanto:
- O senhor é do Morro Grande?
Era a primeira vez que alguém endereçava à minha adolescência tratamento de respeito.
- Não, de longe. Bem longe.
- Então por isso é que não sabe. Ela não vai acordar, não. Está ouvindo o remanso?
Percebi, então, que o rio entrava até perto de nós, em enseada estreita.
- Ela dorme no remanso. Minha filha.
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