terça-feira, 17 de maio de 2011

A CASA DO LADO ESQUERDO



Nunca se soube qual delas teve a idéia, e não adianta investigar depois de tantos anos passados. Todas descansam no túmulo que compraram na cidade maior, como se tratasse de uma família qualquer. Também o túmulo está morto: ninguém o visita mais nos finados, como visitavam antes. Nada é mais definitivo do que a morte de uma época.
        Eu, que as conheci já no fim (todas se foram no espaço de seis meses), suponho que a proposta fora de Lina, Carolina, a mais instruída das três que abriram e fecharam a “Casa do Lado Esquerdo”, na saída do Boqueirão da Gameleira. Do lado esquerdo porque, do lado direito, morava Nhozinho, benzedor de cobras e de ratos que infestam, de ordinário, aquelas fazendas do pé de serra.  
            Vinham de longo aprendizado nos bordéis de toda a região de minérios, cheia de homens e escassa em mulheres ditas honestas, e de feroz competição entre as raparigas. Todas tiveram que aposentar-se cedo, com recursos para não morrer de fome. Todas, menos Elielza, mulher de Nhozinho, o benzedor  da casa do lado direito que, sob o pretexto de que o  marido, de tão santo, endoidara, entrara para a comunidade.
             Eram, naquele tempo muito mais do que seriam hoje, mulheres velhas, mas tinham o rosto sereno, de pessoas que sempre haviam feito o bem (ou não?), e que guardavam na memória os vocábulos de afeto, com a altura de contralto,  na cálida temperatura das frases. Delas era um bordel sem camas.
              Os clientes estavam avisados de que deveriam sair antes da hora da janta, servida sempre às sete e meia, pela Nisete, empregada muito feia, escolhida pela astúcia de Lina. Depois do que, ouviam o rádio e, nas épocas certas, rezavam as novenas e iam para a cama.
              Eram três – Lina, Geni e Guida – e com Elielza foram quatro. Mas Elielza durou pouco ali. Quando Nhozinho morreu (vingança de cobra, exercida por  astuta e idosa cascavel), o filho veio de São Paulo e ela retornou à casa do lado direito, só visitando o outro lado quando ele viajava, porque gostava de ali estar, acariciando homens estranhos, que não eram santos, nem doidos.
              “Pra mim é melhor do que falar com padre, e mais barato do que ir ao médico”, explicava o advogado Mascarenhas, que vinha de longe vê-las uma vez por semana.
              Elas ouviam os homens, quase todos jovens, consolavam-nos com os exemplos da vida, acolhiam-nos em seu regaço com carinho, cantavam aos seus ouvidos canções muito antigas, algumas de ninar.  Não permitiam liberdades maiores: delas estavam aposentadas. Tampouco falavam em pagamento; para a frugalidade dos gastos cotidianos, o que tinham bastava. Mas, como os curandeiros e assemelhados, não recusavam oferendas, fosse em mantimentos, fosse em dinheiro.
               Tenho pensado muito na Casa do Lado Esquerdo. Hoje,  se houvesse uma casa assim, não haveria freqüentadores. Os homens retribuíam com afeto o afeto que recebiam; elas e eles escapavam, naqueles momentos de límpida ternura, da sua própria  solidão.     
              

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