Os que quiserem, desacreditem. Prevenido, como sou, contra as ilusões da certeza, acho que aceitarei o convite de Hermínio, e irei ao Riachinho no dia 20 de outubro, data em que, segundo seus cálculos, voltará a passar, pelo Val do Jumento, a bandeira perdida de Diogo Pessanha Moniz.
São fugazes as referências documentais sobre bandeiras que não fundaram cidades, nem voltaram. Constituídos de aventureiros menores, muitas vezes sem o consentimento das autoridades, reduzidas em seus recursos, esses grupos partiam de São Paulo sem festas de despedidas e sem cartas d’El Rei; recorriam sendas normalmente inviáveis, ladeando rios difíceis e os cruzando, com perdas humanas, quando se sentiam impelidos a isso, na preação de índios e outros quefazeres. Delas, talvez a de menos propósito tenha sido a de Diogo Pessanha. Uma carta, trazida dos arquivos do Conde de Tuy, revela a frivolidade da empresa. Quem a assina é uma cunhada do chefe da expedição, mulher de Antonio Ramalho Pessanha. Pela mensagem se sabe que Diogo juntara o que havia de pior entre as pessoas sem qualidade da vila, e se embrenhara pelos sertões do Norte, nas semanas da quaresma de 1684. Galhofeiro e blasfemo, levava, como estandarte, uma camisola vermelha, que dizia ter pertencido a um dos primeiros jesuítas do Planalto, e sobre quem pairavam suspeitas de passiva sodomia. Acompanhava-o um séquito sórdido. Como lugar-tenente, levava o judeu renegado Mertins, que se atribuía os poderes da Cabala, e de quem se dizia, à boca pequena, ter enforcado a mãe, na vila de Óbidos, antes de vir para as terras brasileiras. Há também referência a um corcunda de mãos quentes, capaz de cozinhar uma perdiz em poucos minutos, desde que a mantivesse sob o agasalho de suas palmas e dedos. A expedição, de acordo com o diário, escrito por Mertins, e deixado no arraial do Tamanduá, atravessou a Mantiqueira no princípio de maio, depois de haver buscado trilhas de índios, que não de brancos, entre Taubaté e Sorocaba. Dela há sinais de passagem em todas as Minas, nos últimos trezentos e tantos anos, porque, marcada por singular e ainda desconhecida maldição, foi condenada a vagar, mesmo depois de mortos seus integrantes, pelos sertões pejados de ouro e de pedras preciosas, de índios e de piscosas lagoas.
Hermínio, latinista, homeopata, rosacruz e maçom dissidente do rito escocês, está levantando todos os dados, e pretende escrever alentada memória sobre o assunto. Em 1791 houve notícias da bandeira de Diogo Pessanha na estrada de Ouro Branco. Um padre e seu moleque, idos das Congonhas, encontraram-na em pleno dia, com alguns de seus homens esfolando um macaco. Blasfemos, como eram, haviam amarrado o animal a uma cruz, e lhe arrancavam a pele, com facas afiadíssimas, e cortavam bifinhos que se repartiam. O corcunda, ao lado, fritava-os na concha das mãos. O macaco, já sem forças, gemia e chorava. Com aquela visão, o sacerdote enlouqueceu, mas o moleque, que ainda guardava, da África de seus pais, certas suspeitas, narrou o fato ao vigário da Capela do Pilar. O pároco lhe impôs segredo, - mas deixou constância do ocorrido em papel solto entre as páginas do Livro de Batismos.
Hermínio rastreou a bandeira por estes três séculos, e dela teve sinais no Bonfim e nos dois lados do Rio das Mortes; nas Minas da Campanha, do Sabará, do Jequitinhonha, no Desemboque e